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sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A Procura

Publicado em Recortes por Alexandre Bazenga

Há hoje uma procura incessante por algo que nem sabemos ser, se existe sequer, se já encontramos até, que nos faça afirmar sermos felizes.

Há anos alguém me disse que para sermos felizes, não me recordo se acrescentou "mais facilmente", um dos segredos seria não exigirmos demasiado da vida, no que queremos que nos faça felizes.

Quando hoje observo à minha volta, vejo uma mão cheia de gente, de amigos e conhecidos, felizes, aparentemente felizes, tornando-se difícil ir mais a fundo e confirmar a extensão das aparências. E vejo muito pouco mais do que essa mão, mesmo que cheia. Em ambiente profissional e laboral, durante anos e trocas de experiências e palavras sobre a satisfação, um ingrediente de felicidade humana, realização, outro, eventualmente mais determinante, ou sentido de sucesso mesmo, o que normalmente usamos para a classificação máxima de preenchimento da nossa escala pessoal de felicidade nesse âmbito, essas trocas de experiências trouxeram-me um registo estatístico de muita gente vivendo o seu trabalho por obrigação, e uma minoria com o prazer que ao Domingo à tarde não nos deixa na ansiedade da Segunda que aí vem.



Há na maioria das vidas que fui conhecendo um padrão comum de sensação de felicidade segura, no que às amizades toca. Quando tentamos confirmar a realização pessoal e a satisfação com a sua própria experiência humana, uma visão da felicidade muito cumprida por todos nós, refere-se ao grupo de amigos que temos. Dizemos, frequentemente, uns aos outros, que se há aspecto das nossas vidas onde nos sentimos em conforto, é com os amigos que temos. Costumo dizer que será porque não lhes exigimos nada e ainda porque lhes levamos apenas o nosso melhor, com a excepção do círculo mais próximo a quem levamos, uma vez por outra, os nossos problemas, também.

E, assim, voltamos ao grau de cumprimento de felicidade a que nos propomos. Como me dizia essa amiga há uns bons anos, se exigirmos pouco, tudo se torna mais fácil para nos sentirmos...realizados. O que, a mim, se me ofereceu logo a oportunidade de dois comentários. Que exigir pouco não seria um grande contentamento para a maioria de nós, habituados por formação, por cultura ou apenas por aspiração a uma procura bem mais longe e mais alto, nessa escala de cumprimento da nossa felicidade humana. Que realização era um dos componentes fundamentais desse sentimento tão humano, mas que a felicidade, como o amor, são aspectos e sentimentos, são circunstâncias e são sonhos pessoais tão difíceis de definir, de definir sobre nós mesmos, como de os sentirmos cumpridos. E a procura, parece ser eterna para alguns, porventura muitos, ou impossível de perceber, para outros, que terminou, que o caminho chegou ao fim e não devemos insistir mais nela.

Por esses anos, quando esta questão se colocou numa conversa interessante e animada entre amigos, ainda não era sentido o efeito das redes sociais. E refiro-o, apenas porque por vezes me parece que por elas se tem desenvolvido uma procura quase constante e incessante de novas amizades, provavelmente de novos relacionamentos, numa insatisfação permanente. A constatação vem mais do que tenho lido sobre isto, pois em geral ninguém confessa e assume ter conhecido alguém num Facebook, com quem possa ter ou ter tido um relacionamento mais do que que uma boa amizade. Costumo pensar e dizer que as redes sociais são locais, hoje, tão naturais para troca de conversas e desenvolvimento de amizades, ou de encontro de um amor, como antes o foram cafés e convívios entre amigos ou famílias. Mas confirmo, em todo o lado, em ruas e transportes públicos, em conversas com amigos, em conhecimento trocados que as redes servem hoje para uma espécie de procura sem fim, uma insistência em que o fim do caminho dessa procura nunca cesse. O contrário, precisamente, da sabedoria que nos leva a ter a perfeita noção de que a felicidade e a realização sentimental já chegou, um dia. A procura constante, num artigo aqui mesmo li, há umas semanas, não é um significante de felicidade em si mesma. No que tenho de dar razão ao que me dizia a tal amiga há uns anos, sobre a que altura queremos colocar a fasquia dessa felicidade tão perseguida por todos nós. Até pelos que dizem ter já desistido.

A procura em si é um caminho, ou muitos caminhos em simultâneo, e provavelmente a certeza de nos embrenharmos em tantos que nos perdemos em muitos. E o uso, hoje, de redes sociais para tal, é uma oportunidade para muita gente, de encontro de amigos e até de algum amor, mas um uso perverso, por ser, com frequência, para muita gente, bem mais procura, do que encontro. No que me parece ser importante saber dar uso, como na vida real e palpável, da mesma sensatez que queremos e sabemos ter em tudo o resto.

A procura importante será na percepção do que realmente queremos, e na percepção do que temos, ou do que podemos ter. A vida hoje, mudou e muito. As nossas possibilidades aumentaram, o mundo ficou mais pequeno. Mas a psicologia, a nossa, não mudou assim tanto. Ou nada.

ALEXANDRE BAZENGA
Português, Engenheiro Agrónomo, em Lisboa. Apaixonado irremediável e doentiamente por Livros e leituras, procurando a cura pela Escrita, num jorro de ideia em busca de disciplina. A Pintura, a Fotografia, a Culinária, e esta dispersão toda dando uma vida rica, preenchida, mas difícil de encaixar no tempo disponível. A Escrita é, definitivamente, um caminho sempre me parecendo em início de caminhada. Uma busca sim, mas, afinal um prazer pessoal com que espero contagiar mais alguém. Se ao menos contribuir um pouco para trazer mais alguém ao amor pela Cultura e Leitura, o esforço foi compensado.


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Um comentário:

  1. Na vida temos sempre que procurar o que realmente gostamos...
    Melhor coisa é termos quem a gente gosta por perto, trabalhar no que gostamos, mas nem sempre é como queremos. Mas cabe a nós querermos mudar...
    Letícia M 202

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