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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Por criatividade, professor precisa tornar o pensamento do aluno visível



Cesar Augusto Amaral Nunes, especialista em avaliação de criatividade, fala ao Porvir de seus projetos e de como o professor pode ajudar seus alunos a desenvolver pensamento crítico

por Vinícius de Oliveira, 17 de junho de 2016

Em pouco mais de 20 centímetros de tela, dezenas de professores disputam espaço para divulgar seus próprios projetos e comentar o trabalho de colegas. São pequenas ideias ou planos de aulas já robustos pensados para desenvolver a criatividade de alunos que são estimulados a sair da rotina e pensar diferente.

No computador que Cesar Augusto Amaral Nunes, pesquisador da Faculdade de Educação da Unicamp e especialista em desenvolvimento e avaliação de criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas, levará a Paris neste mês para a reunião da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) estão amostras de como é possível envolver a estrutura de uma rede pública (Chapecó, em Santa Catarina) para criar um modelo de educação inovadora. O projeto realizado no sul do país tira professores e alunos da zona de conforto para dar vez à experimentação e à busca de respostas que vão além do sim ou não para proporcionar uma aprendizagem mais profunda.

Leia mais: Especial socioemocionais – o que são as competências para o séc. 21

Colaborador de diversas instituições nacionais e internacionais, Nunes é um especialista em desenhar projetos destinados a ganhar escala rapidamente. No entanto, pelo que chama de coerência, faz questão de manter a pesquisa próxima ao chão da sala de aula, ouvir o professor e “formá-lo para as mesmas coisas que eu quero que ele faça com o aluno”.

Na entrevista abaixo, Nunes detalha sua participação em recentes pesquisas na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde trabalha o desenvolvimento da formação moral, como contribui com o Instituto Ayrton Senna para criar um instrumento de avaliação de competências socioemocionais e como é o trabalho na rede de Chapecó, que envolve mais de 50 escolas. Por fim, analisa como o modelo atual de educação precisa de novas rotinas e diz como professores podem ajudar alunos a tornarem seu raciocínio mais visível a partir dos pontos cardeais de uma bússola.

Porvir: Como são os programas que você desenvolve na Unicamp, no Instituto Ayrton Senna e na OCDE?
Cesar Nunes: Vou começar pela Unicamp, onde estou trabalhando em um grupo chamado GEPEM (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Moral), que trata a moral como algo que precisa ser estudado para que seja apropriado e oriente as nossas ações a partir de primeiros princípios. Eu inicio por aí porque existe uma relação muito grande com as socioemocionais, que são necessárias, mas tem algo que vem antes. Quando se fala no desenvolvimento dessas competências, a gente cai na relação entre as pessoas e o saber escutar. Mas quando você tenta resolver as situações só para se dar bem, não partirá de princípios. Vários programas vão direto para a socioemocional porque dizem que se o aluno fizer uma determinada atividade, a nota dele vai aumentar e se ele for perseverante e resiliente, vai se dar melhor na vida em termos profissionais. Mas é mais que isso.


Porvir: Alguns programas americanos insistem muito nisso…
Cesar Nunes: Tem muito disso. Vira algo utilitário e quando você fala de primeiros princípios, não é para ser assim. É para mudar o mundo e torná-lo mais justo e mais democrático. Foi uma grande descoberta saber que já tinha gente fazendo isso dentro da escola. Muita gente, em geral quem é mais velho, associa à educação moral e cívica do tempo dos militares, mas é muito diferente o que vem sendo feito hoje. É parar para pensar por que a gente é do jeito que é e como é que eu posso orientar minhas ações se tiver uma clareza de quais são os valores que eu tenho.

Porvir: Como é feito o acompanhamento do desenvolvimento moral?
Cesar Nunes: A gente costuma classificar o desenvolvimento moral em seis níveis. As pessoas que chegam ao quinto ou sexto nível são uma minoria no mundo, e compram briga porque acreditam em outra coisa, em um mundo melhor. No mundo que temos, quantas pessoas tem de fato uma certeza e vão questionar as coisas que vem como dadas por serem culturais, ou por sempre terem sido feitas da mesma forma? A maioria das pessoas está no nível quatro, em que são feitas as coisas combinadas, que são certas, em que as leis são obedecidas. Para o aluno, chegar nesse ponto é muito difícil, porque ele pode fazer o que “todos os amigos fazem” como justificativa para entrar no grupo social. Em uma fase anterior, o aluno pode pensar em “faço porque vou ganhar alguma coisa com isso”, ou ainda “vou levar vantagem e não vai me dar trabalho”. A gente percebe o quanto dos nossos jovens, dos nossos professores, dos nossos gestores estão nessa fase.

Porvir: Em que fase está o projeto na Unicamp e como tem sido a sua atuação?
Cesar Nunes: O GEPEM faz essa pesquisa há pelo menos 20 anos. Eu entrei no grupo por trabalhar com avaliação pensada em transformação da escola e em larga escala, enquanto o GEPEM fazia esse trabalho homem a homem. Ajudei a desenhar dois projetos, um para Campinas e outro para Paulínia. Eu trago a visão de avaliação formativa, mas também o que a gente chama de avaliação responsiva. Na hora de planejar um programa, preciso saber se ele está dando certo, não é só fazer a avaliação do aluno. Se eu levar o projeto para 30 escolas, como saberei que está dando certo? Vou esperar um relatório final para dizer que não foi bom ou ajusto aos poucos, de acordo com o retorno? Em Singapura [durante evento que acontece neste mês de junho], vou apresentar o resultado desse trabalho que fala sobre ganhar escala de maneira coerente. A coerência está no espaço que dou ao professor e como me preocupo em formá-lo para as mesmas coisas que eu quero que ele faça com o aluno.

Porvir: Como o projeto funciona na prática?
Cesar Nunes: Ele é um programa de desenvolvimento moral que mostra como se forma a personalidade ética das pessoas. Estamos trabalhando em quatro escolas de Paulínia e em sete de Campinas, no fundamental 1 e 2. A gente está trabalhando numa perspectiva em que o professor tem que ter liberdade, mas tem que ter formação para isso. Eles nunca fizeram nada com a moral. Ele pode desenhar uma atividade, a gente senta, discute e outros se inspiram. Com os alunos, o resultado é bárbaro, mas é uma chacoalhada geral, porque eles também passam a discutir sobre os professores e as escolas. Não é só estudar sobre isso, é fazer, é viver. Trabalhamos a partir de projetos e atividades abertas que envolvem colaboração e aproveitamos para fazer uma ponte para o desenvolvimento da autonomia moral com a intelectual. A gente sabe que uma depende da outra. Em um projeto de história, um fato histórico é analisado e relacionado com um fato atual sob o ponto de vista da ética. Como eu me colocaria nessa situação? Como eu me relaciono com isso? Quando você fala que trabalha com todos os professores em todos os momentos, de todas as disciplinas, ele virou larga escala. Hoje a gente tem rubricas que ajudam o professor a entender onde ele está e qual a qualidade que se espera do pensamento do aluno.

Porvir: Como um professor pode ajudar a desenvolver a autonomia do aluno?
Cesar Nunes: Isso depende dele tornar o pensamento visível para que você possa ajudar. Para fazer isso e lidar com 30, 40 alunos é algo que precisa de estratégias, como as rotinas de pensamento. São pequenos protocolos para tomada de perspectiva, busca da verdade ou da justiça por trás de uma situação, para resgatar a curiosidade por parte de meninos que nem olham para o mundo se não for o assunto deles ou do jogo deles. Se eu quiser desenvolver pensamento crítico, que é um dos focos do projeto da OCDE, eu também vou ter que tornar o pensamento visível para ver se o aluno é criativo ou não. Se não for, é necessário entender como ajudar o aluno a se desenvolver. O professor de matemática pode achar que não tem nada a ver com isso, que a criatividade vem de casa, do interesse deles, das artes, mas não é assim.

Porvir:
O que acontece com o currículo dessas escolas?
Cesar Nunes: É como se o currículo passasse a ser ciências e criatividade, o que significa quer dizer que você vai desenvolver tanto o conhecimento científico como o pensar mais criativamente. O projeto está virando política pública para Campinas. Todas escolas que trabalham com educação integral estão envolvidas nesse programa.

Porvir: Como é o trabalho de desenvolvimento e avaliação das competências socioemocionais junto com o Instituto Ayrton Senna?
Cesar Nunes: Fiz uma participação periférica. Eles tinham acabado de realizar um segundo diagnóstico [na rede municipal do Rio de Janeiro], mas não conseguiam ajudar a escola a interpretar os dados e melhorar. Eles me contrataram para pensar em um processo mais formativo para os professores da escola para colaborar no desenvolvimento dessas socioemocionais. Em uma atividade de química, um projeto para trabalhar a colaboração tinha uma atividade colaborativa, mas não ajudava a desenvolver a colaboração. Se os alunos não colaboraram bem, você não sabia. Se o aluno precisava de ajuda, o professor não sabia. Você não desenvolve colaboração só porque desenvolve uma atividade, e isso vale para qualquer uma das outras competências. Já que as atividades já estavam desenhadas, colocamos também rubricas para dar ao aluno uma clareza de onde ele pode chegar.

Porvir: Por fim, como é o estudo da OCDE para desenvolver criatividade e pensamento crítico?
Cesar Nunes: O projeto tenta ser formativo e não um instrumento para avaliar. A gente tem 15 países que entraram e saíram ao longo do último um ano e meio. Países do hemisfério norte começaram a aplicar em setembro do ano passado. Nessa época, aqui no Brasil, definimos onde ele seria aplicado. A gente conversou com o pessoal de Santa Catarina, onde o Instituto Ayrton Senna tinha mais contato. A gente está trabalhando com a rede municipal de Chapecó, a diretoria regional da região e o sistema S. Apesar de ser um primeiro piloto, já está envolvendo um monte de escolas dessas três redes e tem escala maior do que qualquer outro projeto que falei.

Porvir: Como são essas atividades? São sempre projetos?
Cesar Nunes: As vezes são projetos, às vezes envolvem uma sequência didática mais curta. Eles estão experimentando. Existe um questionário para dizer qual é o mínimo de atividades que você deve ter para desenvolver criatividade ou pensamento crítico. Por exemplo, se fizer uma atividade de uma aula, não dá para desenvolver. Você pode ver se o aluno foi criativo, mas não vai conseguir ajudar ele a melhorar. Não dá tempo.
Lógico, não é fácil isso para um professor de biologia. Ele vai dizer que tem que ensinar estrutura celular enquanto a gente pede para que ele seja criativo. O professor tem espaço, ele pode fazer do jeito dele, mas quem tem que ser criativo é o aluno. No fundo, a gente dá muita autonomia. Uma professora de biologia propôs para os meninos representações. Ela já estava acostumada a ver coisas com massinha, o que já é criativo, mas eu não queria isso. Eles pegaram várias frutas para representar a estrutura celular e, no final do dia, fizeram uma grande comilança. A gente tem vídeos dela contando como foi o processo e como os alunos se autoavaliaram. O primeiro nível é o “tô nem aí”, para quem não está preocupado em ser crítico. O segundo nível é “fiz para a escola, cumpri tarefa”, o aluno faz porque tem que fazer. O terceiro tem o rótulo “tô avançando e tô gostando”. O último é o “arrasei”. Isso traz para o aluno um desejo de chegar na frente.

Porvir: Que resultados você leva para a reunião da OCDE neste mês na França?
Cesar Nunes: Para esse encontro, mostrarei o diagrama de coerência. A gente quer uma transformação que depende da formação e do acompanhamento do professor. Ela é baseada em criatividade e pensamento com um modelo de avaliação qualitativo que me diz como o aluno está melhorando e quanto está melhorando. Os professores fazem experimentações que são compartilhadas e geram melhorias em um processo de avanço coletivo. A principal coisa é como houve uma preocupação em envolver gestores. A gente começou em setembro passado, fazendo reuniões com gestores das três redes, discutindo modelo e escolhendo multiplicadores. No começo do ano, a gente fez desenhos de aulas junto com os professores e, agora, a gente tem a primeira fase de atividades já feitas com os alunos e o que a gente percebe é que eles já estão compartilhando e experimentando. E isso vai continuar sempre, com novas formações.
O modelo já tinha funcionado em outros lugares, mas aqui são três pessoas externas que lidam com os professores de 50 escolas, à distância. É um modelo que já é para ganhar larga escala. Não estou criando estruturas que não existiam por causa do projeto. Todas as secretarias já possuem modelos de formação, supervisores e a gente aproveita essas pessoas. Você mostra que está introduzindo criatividade e pensamento crítico dentro das disciplinas, de um jeito que está ganhando escala, sem ter criado estruturas novas.

Porvir: Olhando suas iniciativas, poderia se dizer que está tudo errado no modelo atual?
Cesar Nunes: Existem motivos para termos chegado no que chegou. Por que compartimentamos em disciplinas? A gente sempre pode pensar no momento em que algo virou rotina, que todo mundo faz do mesmo jeito, que virou cultura (conjunto de ações que você faz sem pensar). Tem muita coisa que a gente faz sem pensar, mas que tinha que pensar. Tem estudos sobre por que criamos rotinas. Você libera energia do seu cérebro. Quando não tem mais que pensar sobre aquilo, você tem mais energia para fazer outras coisas. Inclusive fisicamente isso acontece. O cérebro evoluiu em camadas e uma das mais internas é onde os comportamentos rotineiros são guardados. Os estudos mostram que tirar algo desta área é muito mais difícil. E eu acho que isso acontece na sociedade e na escola. Quando se fala em fazer trabalho em grupo, na cabeça dos alunos já tem uma rotina. Mas quando você fala que vai desenvolver respeito, que vai parar para refletir, é uma mudança que vai contra o que já existe. Não está tudo errado. Algumas dessas rotinas são boas, sociais ou individuais, e mudá-las não é simples. Tem um porque de ter chegado nelas: eu precisava fazer larga escala, o modelo industrial funcionava. Se for pensar que hoje estou formando um aluno para ter emprego daqui 20 anos, eu não posso formar para profissões que já existem, porque elas estão desaparecendo. O que vai sobrar? Só o que depende de criatividade e pensamento crítico. Racionalmente, é muito mais importante pensar criticamente do que resolver equação de segundo grau. Ninguém fala que quer um aluno que saiba todos os conteúdos de matemática. Mesmo o professor de matemática não fala que é esse aluno que ele quer formar. Para mudar a rotina, tenho que ter estratégias, que podem ser a criação de novas rotinas. O que já se sabe é que ao criar novas rotinas, guarda na mesma área. Então que novas rotinas eu crio?

Porvir: Como é possível resolver isso?
Cesar Nunes: Com coisas muito simples, pequenos protocolos, como rotinas de pensamento. Tem uma muito legal que chama rotina da bússola. Em inglês, as letras fazem mais sentido, mas fiz uma tradução que pode ser usada. Você pode pensar nos pontos cardeais como referencial para olhar uma situação problema. O norte da bússola representa o lado negativo. No oeste, “qual o lado otimista?”. No leste, “o que mais tenho que ler para me posicionar bem?” e, no sul, “que sugestões eu dou?” Quando você leva isso para os alunos e diz que todas as situações têm um lado positivo e negativo, em que é preciso saber mais para se posicionar melhor ou dar sugestões, eles começam olhar de maneira mais ponderada e serem proativos. Chega uma hora que não precisa mais da bússola porque virou rotina pensar daquele jeito. É um pensamento que a gente precisa hoje em dia. Esse mundo do Facebook está polarizado. Você pode ser a favor de umas coisas, contra outras, mas você não tem que votar, e sim discutir.

Fonte: Porvir

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