Um projeto conduzido pela UNESP junto a 400 estudantes do Ensino Médio em escolas estaduais do interior de São Paulo demonstrou que o uso de ferramentas tecnológicas em sala de aula aumenta em 32% o rendimento dos alunos em matemática e física. Resultados animadores, sem dúvida. Mas devemos observar que a metodologia tecnológica foi mais vantajosa em comparação com as aulas expositivas, consideradas as mais tradicionais na arte de lecionar. Portanto, a dúvida que se coloca: caso os professores tivessem recebido formação para outras metodologias, independentes de tecnologia, os resultados também não estariam à frente do modo expositivo de “ensinar”? Como isso não foi feito, não sabemos. Mas sabe-se que, no projeto em questão, o diferencial está na capacitação dos professores: mais do que disponibilizar novos equipamentos, a apresentação do conteúdo em contextos que fizessem sentido para os alunos é que parece ter sido o grande diferencial. Portanto, as tecnologias são sempre bem-vindas, mas não podem fazer milagres; é preciso um bom preparo pedagógico para utilizá-las.
Desse modo é que não tem sentido a discussão que opõe livros impressos e livros digitais. Ou, pior: se os livros de papel vão acabar. “Como formar leitores?” Segue sendo esta a pergunta que não cala, sempre urgente, sempre atual.
Enquanto alguns jornalistas noticiam que “Livrarias registram aumento na venda de e-books”, outros anunciam que “Megalivrarias crescem no Brasil, apesar da internet”. Sem falar nos que nos contam que “Microeditoras oxigenam mercado com livros de alta qualidade” e que os “[Livros] Artesanais aliam tradição e tecnologia para baixar preços”. E há ainda aquela longa discussão sobre o porquê de livros digitais não serem tão mais baratos do que os de papel, além dos embates entre editoras e bibliotecas sobre como estabelecer um sistema de empréstimos de e-books, respeitando-se os direitos autorais e interesses de mercado.
Em meio a tanto bafafá, se esquece do leitor. Voltemos a ele, então.Outro estudo, conduzido pela Universidade Johannes Gutenberg, na Alemanha, aponta que, em quase todas as pesquisas de opinião com jovens e idosos, o tradicional livro de papel aparece como predileto, à frente de leitores digitais e tablets. Mas, avaliando o movimento dos olhos e a atividade cerebral durante a leitura, os pesquisadores constataram que o esforço neural é significativamente menor em se tratando de livros digitais – ou seja, é mais trabalhoso e cansativo ler livros impressos.
Pois bem, e o que muda com tudo isso? Basicamente nada. Primeiro porque a pesquisa também demonstrou que nenhum dos participantes do estudo teve dificuldade para compreender o que leram, seja em e-reader, tablet ou livro tradicional. Além disso, uma vez sendo a leitura um ato cultural, outras coisas da maior importância estão implicadas no processo, para além das questões neurológicas – por exemplo, aspectos “sensuais” que levaram a maioria a preferir o velho formato, como a textura e o cheirinho das páginas impressas.
Seja neste ou naquele formato, livros continuam sendo objetos de se relacionar e, como é típico das relações, é bem-vinda a diversidade, onde coexistem diferentes formas. Tem gente que passa horas namorando online, enquanto outros, tais os amantes dos livros impressos, só sabem fazê-lo se puderem tocar e cheirar. É verdade: a metáfora não é das melhores, uma vez que só considera a relação entre leitor e objeto livro, e sabemos que a leitura prima por um tipo de relação ainda mais sofisticada: a relação dos leitores entre si, onde o livro, seja em que formato for, se torna o intermediário, pela qualidade do conteúdo que confere graça às trocas interpessoais. E aí retornamos ao ponto mais antigo e básico: o suporte da leitura pouco importa, depois que a roda já foi inventada – grupos de leitura, leitura pública, leitura em casa e leitura em bibliotecas continuam sendo fundamentais.
Sim, temos um bom exemplo para citar. Sabe como se chama um instituto em Madri com acervo 100% digital? Casa del Lector – “Casa do Leitor”, simples assim. E formar leitores é a principal atividade da casa. Segundo a reportagem de Priscila Guilayn veiculada no jornal O Globo do dia 2 de fevereiro: “[a Casa do Lector é] definida por quem trabalha em seus dez mil metros quadrados como um espaço vivo no qual o protagonista é seu frequentador, que pensa, lê, vê e escuta, mas também opina, fala. Ou balbucia e dá gritinhos, porque a instituição, inaugurada há dois meses em Madri, está projetada, inclusive, para pré-leitores, ou seja, crianças a partir dos nove meses de idade”. Como se vê, o espaço só não se chama simplesmente “biblioteca” porque se quer enfatizar a leitura desde o nome – e em um país em que a leitura não vai muito bem das pernas: 42% da população espanhola não se interessa por livros.
Para saber mais (e vale a pena saber) sobre essa iniciativa que, embora pareça apostar na substituição de livros impressos pelos digitais, foca sobretudo na oferta da leitura, clique aqui.
Para finalizar: na semana passada foi divulgada a lista dos vencedores do World Press Photo Contest 2013, que premia as mais expressivas imagens de fotojornalismo do mundo, em diferentes categorias. No quesito Assuntos Contemporâneos, venceu o estadunidense Micah Albert, que retratou uma catadora de lixo no Quênia, durante uma pausa do trabalho, lendo um livro encontrado no lixão. A imagem, bela e pungente, aí está para que não nos esqueçamos de que não podemos nos dar ao luxo de prescindir de qualquer tecnologia para que a leitura cumpra a sua função nos lugares mais improváveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário