setembro 30, 2015
Uma breve panorâmico sobre o Conto, dos primórdios até hoje
Certa vez, Ernesto González Bermejo perguntou a Cortázar qual era o seu conceito de conto, e o autor respondeu:
Muito severo: já o comparei a uma esfera. É uma coisa que tem um ciclo perfeito e implacável. Uma coisa que começa e termina tão satisfatoriamente como uma esfera: nenhuma molécula pode estar fora de seus limites precisos.
Como se vê, Cortázar apresenta rigor em seu conceito. Mas quando mesmo nasceu esse gênero narrativo?
A origem do conto é deveras remota, inicia-se com a tradição oral até transformar-se em uma manifestação da escrita. Na Antiguidade, Panchatantra, As Mil e Uma Noites e até mesmo a Bíblia marcam a história do conto. Na Idade Média, uma melhor elaboração do gênero era lenta, mas mesmo assim despertava muito interesse. Nessa época havia, no mínimo, cinco modelos de contos: o popular, o infantil, o galante, o conto-fábula e o conto moral. Com o passar do tempo e com uma produção mais corrente, estabelecem-se determinadas normas para esse gênero. Como resultado, o conto literário apresenta “recursos criativos”. Esses recursos têm uma finalidade: a ordem estética.
Para aprimorar a ideia de ordem estética, na primeira metade do século XIX o escritor Edgar Allan Poe estabeleceu algumas regras para se escrever o conto literário. Segundo Poe, a narrativa deve ser breve, ter coerência e uma tensão que se resolva no seu desfecho. Essa condição, preconizada por Poe, origina o que se chama de “conto de acontecimento”, que apresenta um mote, uma ação, um desenvolvimento, uma tensão, um clímax e um desfecho. O autor valoriza o término da história, ou seja, algo que surpreenda o leitor, geralmente um evento inesperado em seu fim.
Na segunda metade do século XIX, autores como Maupassant e Tchekhov começam a mudar os rumos desse gênero literário. O autor francês transita entre a reflexão sobre a sociedade e a loucura do homem, acompanhando os descobrimentos dos estudos psiquiátricos que se iniciavam nessa época. Tchekhov valoriza o desenvolvimento da narrativa, sem priorizar o desfecho. Desse modo, as personagens assumem um papel de suma importância, pois revelam seu mundo interior. Sendo assim, o escritor russo origina o “conto de reflexão”. Como se pode perceber, não é à toa que o século XIX é considerado, por muitos historiadores da literatura, o “século de ouro do conto”.
No século “dourado do conto”, no Brasil também havia escritores desenvolvendo esse tipo de narrativa. Álvares de Azevedo, com Noite na Taverna, é visto como um dos precursores do conto literário brasileiro. Outro autor relevante foi Machado de Assis, que produziu uma vasta literatura do gênero, e tanto escreveu à maneira de Poe, quanto à maneira de Tchekhov.
O estilo narrativo denominado conto passa a ter, em nosso país, um grande destaque. No início do século XX, surgiram escritores como Simões Lopes Neto, que deu um novo tratamento ao tema regional; Lima Barreto, que escreveu como forma de contestar as injustiças sociais do Rio de Janeiro; e Monteiro Lobato, que escreveu seus contos para denunciar as relações de poder e autoritarismo em São Paulo.
A partir do Modernismo, esse estilo narrativo cresceu incontestavelmente em nosso país. A Literatura, através desse gênero, revelou grandes autores como João Antônio, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, entre outros. Esses escritores desenvolveram narrativas curtas que tanto podiam revelar uma denúncia social (conto sócio-documental), como podiam também apresentar personagens que questionavam sua existência como sujeito do e no mundo (conto de introspecção), assim como histórias em que os acontecimentos estão no limiar ou até mesmo ultrapassam as fronteiras da realidade (conto visionário, conto fantástico e conto fantástico alegórico).
No mesmo período, por sinal, não só o Brasil, mas toda a América Latina produzia contos de qualidade inquestionável. São também dessa época as narrativas curtas de Jorge Luís Borges (Argentina), Júlio Cortázar (Argentina), Óscar Cerruto (Bolívia), Gabriel García Márquez (Colômbia), Antonio Skármenta (Chile), Alfredo Echenique (Peru), Senel Paz (Cuba), Mario Benedetti (Uruguai) e muitos outros que fizeram com que os “olhos do mundo” se voltassem para a Literatura da América Latina.
Independente de tendências, o fato é que, na atualidade, o conto é um dos gêneros narrativos mais escritos e, consequentemente, mais lidos no mundo todo. Para os mais leigos, que possam pensar que esse gênero é de fácil elaboração, um aviso: escrever um conto de qualidade é um exercício literário muito difícil. Essa narrativa curta só será agradável e surpreendente, para qualquer leitor, se apresentar recursos criativos que resultem numa perfeita ordem estética.
Referências:
BERMEJO, Ernesto. Conversas com Cortázar. Segunda edição. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2002.
MELLO, Ana Maria. Caminhos do conto brasileiro. Porto Alegre: Revista de Ciências e Letras da FAPA, 2003.
SOBRINHO, Barbosa Lima. Os Precursores do Conto no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1960.
Fonte: Homoliteratus
Uma breve panorâmico sobre o Conto, dos primórdios até hoje
Certa vez, Ernesto González Bermejo perguntou a Cortázar qual era o seu conceito de conto, e o autor respondeu:
Muito severo: já o comparei a uma esfera. É uma coisa que tem um ciclo perfeito e implacável. Uma coisa que começa e termina tão satisfatoriamente como uma esfera: nenhuma molécula pode estar fora de seus limites precisos.
Como se vê, Cortázar apresenta rigor em seu conceito. Mas quando mesmo nasceu esse gênero narrativo?
A origem do conto é deveras remota, inicia-se com a tradição oral até transformar-se em uma manifestação da escrita. Na Antiguidade, Panchatantra, As Mil e Uma Noites e até mesmo a Bíblia marcam a história do conto. Na Idade Média, uma melhor elaboração do gênero era lenta, mas mesmo assim despertava muito interesse. Nessa época havia, no mínimo, cinco modelos de contos: o popular, o infantil, o galante, o conto-fábula e o conto moral. Com o passar do tempo e com uma produção mais corrente, estabelecem-se determinadas normas para esse gênero. Como resultado, o conto literário apresenta “recursos criativos”. Esses recursos têm uma finalidade: a ordem estética.
Para aprimorar a ideia de ordem estética, na primeira metade do século XIX o escritor Edgar Allan Poe estabeleceu algumas regras para se escrever o conto literário. Segundo Poe, a narrativa deve ser breve, ter coerência e uma tensão que se resolva no seu desfecho. Essa condição, preconizada por Poe, origina o que se chama de “conto de acontecimento”, que apresenta um mote, uma ação, um desenvolvimento, uma tensão, um clímax e um desfecho. O autor valoriza o término da história, ou seja, algo que surpreenda o leitor, geralmente um evento inesperado em seu fim.
Na segunda metade do século XIX, autores como Maupassant e Tchekhov começam a mudar os rumos desse gênero literário. O autor francês transita entre a reflexão sobre a sociedade e a loucura do homem, acompanhando os descobrimentos dos estudos psiquiátricos que se iniciavam nessa época. Tchekhov valoriza o desenvolvimento da narrativa, sem priorizar o desfecho. Desse modo, as personagens assumem um papel de suma importância, pois revelam seu mundo interior. Sendo assim, o escritor russo origina o “conto de reflexão”. Como se pode perceber, não é à toa que o século XIX é considerado, por muitos historiadores da literatura, o “século de ouro do conto”.
No século “dourado do conto”, no Brasil também havia escritores desenvolvendo esse tipo de narrativa. Álvares de Azevedo, com Noite na Taverna, é visto como um dos precursores do conto literário brasileiro. Outro autor relevante foi Machado de Assis, que produziu uma vasta literatura do gênero, e tanto escreveu à maneira de Poe, quanto à maneira de Tchekhov.
O estilo narrativo denominado conto passa a ter, em nosso país, um grande destaque. No início do século XX, surgiram escritores como Simões Lopes Neto, que deu um novo tratamento ao tema regional; Lima Barreto, que escreveu como forma de contestar as injustiças sociais do Rio de Janeiro; e Monteiro Lobato, que escreveu seus contos para denunciar as relações de poder e autoritarismo em São Paulo.
A partir do Modernismo, esse estilo narrativo cresceu incontestavelmente em nosso país. A Literatura, através desse gênero, revelou grandes autores como João Antônio, Clarice Lispector, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, entre outros. Esses escritores desenvolveram narrativas curtas que tanto podiam revelar uma denúncia social (conto sócio-documental), como podiam também apresentar personagens que questionavam sua existência como sujeito do e no mundo (conto de introspecção), assim como histórias em que os acontecimentos estão no limiar ou até mesmo ultrapassam as fronteiras da realidade (conto visionário, conto fantástico e conto fantástico alegórico).
No mesmo período, por sinal, não só o Brasil, mas toda a América Latina produzia contos de qualidade inquestionável. São também dessa época as narrativas curtas de Jorge Luís Borges (Argentina), Júlio Cortázar (Argentina), Óscar Cerruto (Bolívia), Gabriel García Márquez (Colômbia), Antonio Skármenta (Chile), Alfredo Echenique (Peru), Senel Paz (Cuba), Mario Benedetti (Uruguai) e muitos outros que fizeram com que os “olhos do mundo” se voltassem para a Literatura da América Latina.
Independente de tendências, o fato é que, na atualidade, o conto é um dos gêneros narrativos mais escritos e, consequentemente, mais lidos no mundo todo. Para os mais leigos, que possam pensar que esse gênero é de fácil elaboração, um aviso: escrever um conto de qualidade é um exercício literário muito difícil. Essa narrativa curta só será agradável e surpreendente, para qualquer leitor, se apresentar recursos criativos que resultem numa perfeita ordem estética.
Referências:
BERMEJO, Ernesto. Conversas com Cortázar. Segunda edição. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2002.
MELLO, Ana Maria. Caminhos do conto brasileiro. Porto Alegre: Revista de Ciências e Letras da FAPA, 2003.
SOBRINHO, Barbosa Lima. Os Precursores do Conto no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1960.
Fonte: Homoliteratus
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