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segunda-feira, 20 de junho de 2016

Base Nacional deve legitimar o trabalho do professor inovador

Seminário reúne especialistas para analisar o documento e discutir como ele pode contribuir para uma educação pública de qualidade

por Marina Lopes, 14 de junho de 2016

Mais que solidificar o trabalho feito nas escolas, a Base Nacional Comum Curricular precisa ser um instrumento de mudança democrática. Para o professor Paulo Blikstein, da escola de educação em Stanford, na Califórnia, e diretor do Transformative Learning Technologies Lab, o documento ainda deve avançar para legitimar a inovação. “Temos que fazer cada vez mais fácil para o professor inovador e cada vez mais difícil para as escolas que querem se manter no século 19”, afirmou, durante o 5º Seminário Internacional do Centro Lemann, realizado nesta segunda-feira (13), em São Paulo.

Ao lado de outros especialistas, Blikstein analisou a segunda versão do documento e fez colocações sobre a área de ciências. Ao trazer referências da base curricular Next Generation Science Standards (NGSS), que começa a ser implementada agora nos Estados Unidos, ele demostrou a importância da progressão dos conteúdos e conhecimentos dos alunos, além de mencionar como positivo o trabalho com conceitos transversais e a inclusão práticas de engenharia no documento norte-americano. “Ao invés de falar o que os alunos devem saber, ela [NGSS] fala sobre o que os alunos devem ser capazes de fazer.”

Especialmente na área de ciências, o professor em Stanford diz que há um grande embate entre o que deve ser priorizado: a cobertura ou a profundidade. Para ele, os países que obtiveram maior sucesso optaram pela profundidade, valorizando que os alunos possam aprender fazendo ciências, e não apenas estudando sobre o que os cientistas fazem e formulam.

No mesmo caminho, o professor Phil Daro, diretor do Strategic Education Research Partnership, que liderou o desenvolvimento do Common Core (currículo nacional dos EUA) na área de matemática, também apontou que a Base deve elevar a atuação dos alunos. Ao analisar a segunda versão do documento brasileiro, ele diz que sente falta de situações em que eles sejam convidados a ter maior participação.

“Os alunos aprendem com o que fazem. Se o que pedimos para eles é raso demais, o aprendizado também vai ser raso. Eles precisam ser ativos, fazer e pensar a matemática. Além das palavras identificar, nomear e localizar, eu gostaria de ver ações mais fortes, como formule, desenhe, construa, explique, interprete, justifique, prove. Essas são as ações fortes da matemática e precisam estar dentro da Base”, mencionou Daro.



Os alunos aprendem com o que fazem. Se o que pedimos para eles é raso demais, o aprendizado também vai ser raso.

O professor norte-americano também avalia que a segunda versão do documento precisa articular melhor os valores e a trajetória de desenvolvimento dos alunos, assim como trazer exemplos detalhados de tarefas e problemas matemáticos, que demonstram o que deve ser esperado dos estudantes brasileiros em diferentes níveis.

Embora Daro reconheça que a segunda versão do documento tem uma preocupação maior com a progressão dos conteúdos, ele ainda chama a atenção para a necessidade de fazer com que os tópicos aprendidos continuem a ser usados nos anos seguintes. O professor também defende que os alunos com ambições em ciências, tecnologia, engenharia e matemática tenham a possibilidade de aprender tópicos avançados da disciplina, e isso também deve estar previsto na Base.

Na área de linguagens, a consultora educacional Sheila Byrd Carmichael, revisora externa do Common Core English Language Arts Standards, também analisou a segunda versão do documento brasileiro e trouxe contribuições para o debate. Ela elogiou os avanços em relação a segunda versão, mas também destacou que os conteúdos devem priorizar uma abordagem interdisciplinar mais alinhada ao mundo real. Para Sheila, o documento também deve apresentar mais exemplos sobre como será o desenvolvimento da escrita em cada série. “Os professores precisam saber exatamente o que é esperado deles e dos alunos”, apontou.

Para Luiz Carlos de Menezes, assessor e integrante do corpo de especialistas da Secretaria de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação) para elaboração Base Nacional Comum Curricular, as contribuições apontadas podem servir para todas as áreas de conhecimento. “É preciso reconhecer que a segunda versão ainda está frágil e precisa de grandes transformações”, afirmou, ao também mencionar que será necessário um esforço para pensar nas próximas etapas.

Junto com Menezes, os especialistas nacionais Hilda Micarello, assessora da secretaria de educação básica do MEC para elaboração da BNC, e Ruy Cesar Pietropaolo, que fez parte do grupo de redação da BNC, também participaram do debate e comentaram as contribuições apresentadas pelos colegas norte-americanos e o professor brasileiro em Stanford.

Micarello reconheceu que a construção da Base tem sido um desafio, principalmente pela natureza do documento, que deve conter o que é fundamental para cada área de conhecimento, ao mesmo tempo em que abre espaço para que estados, municípios e escolas construam seus próprios currículos.

Construir espaços de enunciação das diferenças é fundamental para pensar a Base Nacional Comum Curricular

Em um debate sobre a diversidade no documento, pesquisadores também apontaram a necessidade de uma perspectiva mais ampla. “Construir espaços de enunciação das diferenças é fundamental para pensar a Base Nacional Comum Curricular”, destacou o professor Amilcar Pereira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Segundo ele, é impossível entender o Brasil e a história do Brasil sem entender os processos de resistência, por exemplo.

“Nós somos o país mais desigual do mundo. É impossível discutir qualidade da educação sem levar em conta esse fato”, pondera Clarice dos Santos, professora da Universidade de Brasília. Assim como ela, Paulo Gabriel Soledade Nacif, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, que foi secretário de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério da Educação, também destacou que a questão da diversidade deve ser uma pauta fundamental nos direitos contemporâneos.

E quando o debate aponta para a implementação, Virgínia Maria de Melo, dirigente municipal de educação de Anápolis (GO) e presidente regional do Centro-Oeste da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), menciona que o desafio ainda é manter o diálogo entre todos os envolvidos no processo. Mais que discutir a construção do documento, também será necessário um trabalho intenso de formação dos professores e coordenadores pedagógicos, como lembrou Janaína Oliveira, coordenadora pedagógica e formadora de professores do Instituto Chapada.

O presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação) e secretário de Educação de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, reconheceu que o grande desafio será como trabalhar com o documento. E ele ainda alerta: “a Base não pode focar só no conteúdo, mas também nas competências e habilidades a serem desenvolvidas.”

Fonte: Porvir 

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