Indicação de amigos, professores e até mesmo dar um livro de presente são
alguns bons caminhos para criar o gosto pela leitura
O cenário atual da literatura no Brasil não é dos mais favoráveis, a julgar
pela última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, levantada pelo
Instituto Pró-Livro. O estudo, que foi publicado em março deste ano e será
lançado em formato de livro na Bienal do Livro de São Paulo estima que apenas
metade da população brasileira lê, e os que leem não consomem mais do que dois
livros inteiros por ano, aumentando décimos de uma média que, historicamente,
sempre foi baixa.
Porém, alguns dados complementares da pesquisa guardam em si pequenas
esperanças de reversão do quadro a longo ou, quem sabe, curto prazo. Por
exemplo, a falta de gosto pela leitura não é um empecilho, já que 62% dos
entrevistados dizem gostar pelo menos um pouco de ler. E embora 87% dos que não
leem afirmem nunca ter ganhado um livro, 88% dos que ganharam garantem a
importância do presente para despertar o interesse por ler.
O valor de um livro presenteado, portanto, pode ser maior do que se supõe. É
no que acredita o comerciante Cássio Busetto, 36 anos. “Eu sempre parto do
princípio de que se alguém não gosta de ler é porque nunca foi apresentado aos
livros certos. E por livro certo me refiro aos livros de qualidade e também do
interesse da pessoa, que possam trazer conhecimento ou uma visão de mundo
interessante.” Busetto tem o costume de dar livros de presente para as pessoas
quando sabe que há um mínimo interesse pela literatura, mas é criterioso.
“Procuro dar um livro que combine um pouco o gosto dela com o meu, para não
presentear com algo que eu considero de mau gosto. Quando a pessoa não lê, mas
tem algum interesse, procuro dar algo mais leve e agradável, um entretenimento
que possa levar a leituras mais densas.”
Hillé Puonto, pseudônimo da anônima autora do blog Manual Prático de Bons
Modos em Livrarias, já ajudou muita gente a encontrar esse presente, e afirma:
“o que mais percebo entre as pessoas que vão à livraria atrás de um livro como
forma de presente é a necessidade de se comunicar com o presenteado. Há muitas
que gostam de compartilhar experiências. Eu, por exemplo, adoro presentear meus
amigos com livros que tenham, de alguma forma, representado algo para mim.”
Quem recebe o presente confirma as opiniões acima. O mestrando em estudos
literários da Universidade Federal do Paraná, Arthur Tertuliano, 25 anos, ganha
quase sempre um livro como presente, e diz que o mimo desperta seu interesse.
“Às vezes, fico muito curioso com o que a pessoa pode estar querendo dizer com
‘este livro é a sua cara’, ou dou prioridade para lê-lo quando eu sei que ela
está ansiosa para comentar sobre ele”, conta, citando como exemplo o livro Duna,
de Frank Hebert, que ganhou de um amigo. “Estou lendo este não só porque a
dedicatória é excelente, mas porque sei que meu amigo gosta bastante do livro e
gostaria de comentá-lo comigo.”
Indicação valiosa
Esse compartilhamento de experiências
no ato de presentear é outro fator de peso para criar leitores. A pesquisa
aponta que o regalo representa 21% do acesso a livros e a indicação das pessoas
é o terceiro maior fator de influência na hora de escolher um livro para ler,
ficando atrás do título do livro e do tema. “Eu tenho um amigo que costuma
pensar bastante nos presentes e, há três anos, os livros que ganho dele de
aniversário estão entre os melhores que recebo”, comenta Tertuliano, concordando
que uma boa indicação faz toda a diferença: “você pode dar algo no estilo do que
a pessoa gosta, apresentando algo de que ela ouviu falar, mas com que nunca teve
contato direto, ou mesmo abrindo seus horizontes em algum sentido.”
E a principal indicação acontece na sala de aula: 45% dos entrevistados que
leem garantem que foi o professor que os influenciou ao hábito, mais do que a
mãe (43%) e o pai (17%). O professor de ensino médio e ex-livreiro das Livrarias
Curitiba, Claudecir Rocha, 32 anos, acredita que é só uma questão de fisgar o
potencial leitor pelo título certo. “É preciso indicar algo agradável antes de
apresentar o que eles precisam estudar. Se um aluno de ensino médio tiver de ler
só Dom Casmurro, ele nunca mais vai ler Machado de Assis na vida, mas um conto
do Machado já é mais apetecível”, afirma, e completa contando sua própria
experiência: “li com meus alunos o conto ‘Feliz Ano Novo’, do Rubem Fonseca, e
agora eles adoram o escritor. É só uma questão de despertar a curiosidade, e a
pessoa nunca mais deixa de ler.”
Fonte: Gazeta do Povo
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