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sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Casal que saiu da rua graças aos livros recupera com doações o que foi destruído pela chuva

Fernanda Canofre - Sul21 - 18/09/2017




Vinicius Camargo Flores, 34 anos, chegou para trabalhar no sábado (16) e levou um susto. Os livros que ele vende todos os dias, na calçada da esquina da Avenida Borges de Medeiros com a Rua Fernando Machado, estavam jogados na rua, desmanchados pela chuva, formando uma espuma branca que já não deixava identificar que formas e histórias tiveram antes. “Foi um choque, porque é meu ganha-pão diário, a gente paga R$ 20 por dia na pensão com esse dinheiro”, conta ele.

Os livros mudaram a vida de Vinicius e da companheira dele, Tatiane Kubiak, 32, há mais ou menos um ano. Os dois se conheceram há três anos e dois meses, trabalhando na Cootravipa (Cooperativa dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre) e vivendo na rua. Com histórias parecidas, eles se apaixonaram. Durante algum tempo, Tati e Vinicius viviam daquilo que conseguiam ganhar das pessoas em frente ao supermercado Zaffari, da Fernando Machado. Até o dia em que uma professora parou e perguntou se não estariam interessados em pegar alguns livros que ela já não usava e colocá-los na calçada para vender.

“Eu falei que sim e a gente começou com esses 10 livros”, lembra Vinicius. “Agora, tenho cliente que compra todos os dias, tem outros que compram só coleção, tem quem peça pra eu arrumar o que eles querem”.

A venda, que começou improvisada, costuma render em torno de R$ 50 por dia e ajudou o casal a sair da rua, para um quarto de pensão. Por isso, todas as noites quando fechava o expediente do dia, ele colocava os livros dentro das caixas, as arrumava contra a parede do prédio, puxava uma lona por cima e saía confiante de que estaria ali, no dia seguinte. No sábado, quando tudo se perdeu com a chuva, eles já tinham um estoque de 800 volumes, indo de biografias a enciclopédias, de romances a manuais de alimentação.

Poucos meses antes, Vinicius já havia tido que recomeçar do zero. Durante uma das tardes em que Tati, que está grávida de cinco meses, não pode acompanhá-lo, os poucos minutos em que ele saiu para ir ao banheiro foram suficientes para que alguém passasse e levasse seu carrinho com todos os livros e o cachorro de estimação do casal. Assim como dessa vez, ele não sabe quem pode ter sido o responsável. Ficou só a suspeita de que seja alguém que eles conheciam dos tempos de rua. “Dessa vez, só fizeram de maldade e jogaram tudo na chuva”.


Ainda no sábado, porém, as coisas começaram a virar para Tati e Vinicius. O cabeleireiro Marcelo Moura Lima, 39 anos, chegou para abrir o salão que mantém em frente ao ponto do casal, e se deparou com uma cena “deprimente”, em suas palavras. Ele fotografou os livros jogados na chuva e postou a imagem no grupo Vizinhos do Centro Histórico, no Facebook, contando como o material era importante para eles. Com mais de 400 curtidas no post, Marcelo começou uma corrente de solidariedade que, em dois dias, conseguiu reunir 500 livros em doações para que eles voltassem às vendas.

“A gente acompanha o trabalho dele, acompanha a luta e sabe que a rua não é [um lugar] fácil. Quando contava o ocorrido, as pessoas ficavam indignadas, porque é um trabalho. Foi uma iniciativa boa deles, porque pararam com as atividades da rua e conseguiram se firmar ali. A esposa dele está grávida, eles moram em uma pensão e ele precisa desse giro diário para se manter”, explica Marcelo.

Desde sábado, o salão virou também um ponto para recebimento de doações. O telefone de Marcelo também recebeu várias ligações de pessoas interessadas em ajudar e querendo saber se o casal estava trabalhando. “Hoje de manhã, me surpreendi quando cheguei e vi que ali já estava cheio de livros outra vez”, diz ele.

O negócio de Tati e Vinicius funciona porque ela entende da parte do dinheiro, ele dos livros.

Enquanto conversávamos, uma moradora do Centro se aproximou trazendo sua doação de livros, roupas e calçados para os dois. Quando Vinicius viu o nome de Isaac Asimov nas capas de alguns deles, logo virou, empolgado: “Olha, esse vale muito, é um cara da ficção científica. Muito bom”.

Os dois Asimov se juntaram a uma pilha de livros que a professora Maria Zenisse levou em seguida. Ela conta que é cliente assídua do casal. “Porque eles vendem, na rua, coisas boas, com preços populares. Eu, que sou professora aposentada, adoro. Muitos professores param aqui para comprar com eles”, diz ela, que lecionava Filosofia e está aposentada pela rede estadual.

“Agora, a gente precisa de dois carrinhos para poder levar os livros para casa. Porque, como eu estou grávida, não posso ajudar. Ele sozinho não consegue carregar tudo em caixas”, diz Tati. “Quem passa aqui, fala que não é para a gente parar de vender, que é pra continuar que vão nos ajudar”. O companheiro completa: “É que eles nos conheciam de quando a gente vivia na rua, então, viram o nosso progresso. Por isso que querem nos ajudar”.

O sonho dos dois é arrumar uma sala no centro, onde possam colocar os livros. O problema seria ter de pagar o valor de dois aluguéis. Enquanto isso não é possível, Vinicius conta que está à procura de uma banca de madeira que o ajude a tirar os livros da calçada.

Depois de perderem um bebê, no ano passado, ainda durante a gestação, o casal ainda vive a expectativa do primeiro filho. Tati havia ficado em casa no sábado para arrumar as roupinhas de bebê que ganhou de moradores que passam por eles todos os dias. Só ficou sabendo do que aconteceu, quando o companheiro chegou emocionado em casa. Apesar do golpe, ela diz determinada: “Fizeram isso só pra gente parar de trabalhar, mas não vamos parar, nós vamos continuar”.

O casal vende livros todos os dias, do meio-dia às 22h.

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