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segunda-feira, 11 de julho de 2016

É hora de fazer uma faxina em seu cérebro?


Cena de "Como enlouquecer seu chefe": no filme, a desorganização corporativa tem graça. No mundo real, não
Daniel J. Levitin, da Revista EXAME

São Paulo — Leia, a seguir, um trecho inédito do livro "A Mente Organizada", do neurocientista americano Daniel J. Levitin, sobre como seu cérebro lida com o excesso de informação:

"Nós, seres humanos, temos uma longa história de aprimoramento neuronal — maneiras de melhorar o cérebro que nos foram dadas pela evolução. Treinamos os neurônios para que se tornem aliados mais eficientes e confiáveis, capazes de realizar nossas metas. Criamos sistemas para remover a desordem do cérebro e lembrar detalhes cuja recordação não é possível confiar apenas à memória.


Essas e outras inovações são projetadas para aperfeiçoar nosso cérebro ou descarregar algumas das funções dele em fontes externas. Mas um dos maiores progressos, em termos de aprimoramento neuronal, ocorreu há 5 000 anos, quando os seres humanos descobriram uma maneira revolucionária de aumentar a capacidade da memória e do sistema de indexação do cérebro: a linguagem escrita.

Quando nossos antepassados trocaram o estilo de vida nômade pelo urbano, criando centros de comércio e cidades cada vez maiores, o incremento começou a pesar sobre a memória dos comerciantes individualmente e, por isso, a primeira escrita tornou-se importante para registrar as transações comerciais. A poesia, as histórias, as táticas militares e os projetos complexos de arquitetura vieram depois.

Antes da linguagem escrita, nossos ancestrais dependiam da memória, de esboços ou da música para codificar e preservar as informações importantes. A memória é falível, claro, mas não tanto por causa de limitações de armazenamento, e sim pelas limitações de recuperação. Alguns neurocientistas acreditam que quase toda experiência consciente é armazenada no cérebro.
O problema é achá-la e trazê-la de volta. Às vezes a informação que chega é incompleta, distorcida ou enganosa. Recordações pessoais surgem de repente em nossa mente e atropelam raciocínios baseados em informações estatísticas que tornariam muito mais precisas e adequadas nossas decisões sobre tratamentos médicos, investimentos ou sobre a confiabilidade de pessoas de nosso mundo social. 

Nos últimos 20 anos, os psicólogos cognitivos provaram que a memória não é confiável. Não se trata apenas de lembranças confusas (o que já seria ruim), e sim de nem sequer sabermos que elas estão erradas. Insistimos que certas imprecisões são de fato verdadeiras.


Os primeiros humanos a descobrir a escrita estenderam os limites da memória conservando recordações em tábuas de barro e nas paredes das cavernas, e, mais tarde, em papiros e pergaminhos. Em seguida, desenvolvemos mecanismos — como calendários, arquivos, computadores e smartphones — para organizar e armazenar a informação.

Descarregamos em dispositivos externos grande parte do processamento que em geral nossos neurônios fariam. E os dispositivos se tornam uma extensão de nosso cérebro, um aperfeiçoador neuronal. Hoje nos defrontamos com uma quantidade inacreditável de informações. Em 1976, um supermercado americano tinha, em média, 9 000 produtos distintos.

Atualmente, esse número inflou para 40 000, embora uma pessoa comum satisfaça de 80% a 85% das necessidades com apenas 150 artigos. Isso significa que precisamos ignorar 39 850 produtos em estoque. E estamos falando apenas de supermercados — estima-se que exista hoje mais de 1 milhão de tipos de produto disponíveis para venda nos Estados Unidos.

Todo esse processo de ignorar e optar tem um custo. Os neurocientistas descobriram que a falta de produtividade e de motivação pode ser resultado da sobrecarga de decisões. Embora a maioria de nós não tenha dificuldade em relativizar a importância das decisões, o cérebro não faz isso automaticamente.
Pesquisas recentes mostram que pessoas obrigadas a tomar uma série de decisões triviais — por exemplo, escrever com uma caneta tinteiro ou esferográfica — têm uma piora no controle dos impulsos e um decréscimo do bom senso nas escolhas que vêm na sequência e são realmente relevantes.
É como se nosso cérebro fosse configurado para tomar um número de decisões por dia, e, atingido o limite, não pudéssemos decidir qualquer outra coisa, mesmo que seja importante. Uma das mais úteis e recentes descobertas da neurociência pode ser resumida assim: no nosso cérebro, a rede de tomada de decisões não determina as prioridades.

Pessoas bem-sucedidas — ou capazes de bancar o custo — empregam outras pessoas para estreitar o filtro de atenção. Ou seja, diretores de empresas, líderes políticos, astros de cinema e profissionais, cujo tempo e atenção são especialmente valiosos, mantêm um corpo de funcionários que são, de fato, extensões de seu cérebro.

Essas pessoas bem-sucedidas são isoladas das distrações cotidianas pela equipe, o que lhes permite dedicar toda sua atenção àquilo à sua frente. Elas parecem viver completamente no momento. Por isso, não têm pressa quando falam com alguém. Olham nos olhos da outra pessoa, relaxam e ficam presentes diante de qualquer interlocutor. 

Não precisam se preocupar se deviam estar falando com alguém mais importante porque sua equipe — seu filtro — já resolveu que aquela é a melhor maneira de aproveitar o tempo. No entanto, o resto de nós tende a deixar que a mente corra solta durante reuniões e percorra inúmeros pensamentos sobre o passado e o futuro, destruindo qualquer aspiração de tranquilidade e nos impedindo de estar presentes.

Desliguei o fogão? O que farei no almoço? A que horas preciso sair para o próximo compromisso? Se organizarmos nossa vida e cabeça segundo a nova neurociência da memória e da atenção, seremos todos capazes de lidar com o mundo de modo a ter a mesma liberdade de que essas pessoas bem-sucedidas desfrutam — e sem precisar bancar o custo de uma equipe de assistentes.
Uma chave para entender a mente organizada é reconhecer que sozinha ela não organiza as coisas da maneira que você gostaria. Apesar de ter enorme flexibilidade, ela foi construída sobre um sistema que evoluiu por centenas de milhares de anos para lidar com tipos e volumes diferentes de informação de que hoje dispomos.

Para ser mais específico: o cérebro não é organizado da maneira que você talvez arrumaria o escritório de casa ou o armário de remédios do banheiro. Você não pode simplesmente botar as coisas onde quer. A arquitetura do cérebro é alea­tória e desconjuntada. Ela não tem uma estrutura planejada.
A evolução do cérebro se assentou em múltiplos sistemas que historicamente foram mais vantajosos para a sobrevivência. Portanto, o cérebro é mais como uma grande casa antiga, com reformas improvisadas em cada andar, e menos como uma construção recente.

Competição

Cada atualização no Facebook, cada mensagem que recebemos de um amigo compete por recursos no cérebro contra escolhas como decidir entre investir em ações ou títulos ou onde o passaporte está guardado. Assim, encontrar tempo para nossas diversas atividades tornou-se um tremendo desafio.
A promessa de uma sociedade computadorizada, nos diziam, era a de que o trabalho chato e repetitivo seria relegado às máquinas, nos permitindo ter mais lazer e perseguir metas mais elevadas. Mas não funcionou assim. A era da informação colocou sobre nós grande parte do trabalho que antes era feito por profissionais especializados e empresas.

A promessa de uma sociedade computadorizada, nos diziam, era a de que o trabalho chato e repetitivo seria relegado às máquinas, nos permitindo ter mais lazer e perseguir metas mais elevadas. Mas não funcionou assim. A era da informação colocou sobre nós grande parte do trabalho que antes era feito por profissionais especializados e empresas.

Nas viagens aéreas, hoje fazemos as reservas e o check-in, tarefas que costumavam ser de agentes de viagem e de companhias aéreas. Estamos fazendo o trabalho de dez pessoas diferentes e, ao mesmo tempo, lidando com nossa vida, nossos filhos, pais, amigos, carreira, hobbies e programas favoritos de TV. A necessidade de assumir o controle de nossos sistemas de atenção e memória nunca foi tão imperativa.”

Fonte: Revista Exame


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